quarta-feira, 2 de junho de 2010

Chronotopus 1 - Israel e Palestina

Talvez eu venha a usar muitas vezes, aqui, a primeira parte do título dessa postagem. Mas provavelmente (espero) não voltarei ao tema Israel-Palestina em breve.
Esse post, de certa forma, complementa e encerra o de ontem.

Eu fui apresentado ao Chronotopus, ou "хронотоп", num seminário aqui em São Paulo realizado pelo professor Gilberto Safra, psicanalista que influiu muito na minha formação como psicólogo e continua a me influenciar como profissional.
O termo se refere a uma construção subjetiva de um filósofo e filólogo russo chamado Mikhail Bakhtin. E deriva de dois radicais gregos que, separados, poderiam ser traduzidos por "tempo-espaço".
Segundo seguidores de Bakhtin o cronotopo é "uma unidade de análise" para estudar a linguagem de acordo com a relação e as características das categorias temporais e espaciais representadas num dado idioma. Chronotopos específicos correspondem a gêneros específicos ou maneiras relativamente estáveis de falar, os quais representam visões de mundo particular ou ideologias. Dessa forma, um chronotopo é um conceito e uma função cognitiva da linguagem narrativa.

Para facilitar o entendimento, podemos pensar o chronotopus como um cruzamento de dois eixos, no centro dos quais se localiza o foco existencial do indivíduo pensante.
Num dos eixos (o horizontal) se localiza, à esquerda, o "passado" do indivíduo, seus referenciais de construção teórica. À direita do mesmo eixo se encontra o "futuro", ou seja as referências temporais que se espera construir com o pensamento.
No outro eixo (o vertical) se localiza, acima, a "subjetividade", e abaixo a "objetividade".

A idéia é pensar nas nossas construções mentais, nos nossos pensamentos, nos nossos atos, como se estivéssemos no meio desses dois eixos. Olhamos para trás, para saber quem somos e qual o mundo que nos constituiu. Olhamos para frente, para saber quem queremos ser e como deverá ser o mundo que queremos criar. Olhamos para cima, para entender valores, crenças, idéias. E olhamos para baixo para perceber a realidade concreta, os limites, o contexto material da existência.

A construção é util, creio, para uma série de objetivos. Um deles é encontrar a referência de raciocínio ou equação de um determinado problema.

Por exemplo: ao se analisar os artigos discorrendo sobre o confronto entre militares israelenses e ativistas pró-palestina, de segunda-feira, notamos o seguinte: a principal referência para a ação, e para a análise, é (foi!?) o passado e a subjetividade. 

As discussões a favor da "versão" (os filtros mentais, que abordei ontem), de ambas as partes, são referenciadas fundamentalmente no passado do conflito dos povos, e no sofrimento subjetivo causado por esse passado.
Como não se olha para o futuro com a mesma intensidade com que se olha o passado, e para a realidade objetiva com a mesma força da subjetiva, as ações perdem seu contexto lógico.

Ou, dizendo de outra forma, poderíamos colocar a questão da seguinte forma: os ativistas, e os militares que os detiveram, se baseiam mais no medo (valor subjetivo) e no conflito (passado), ou no desejo de criar um ambiente seguro (futuro) e nos resultados esperados (objetivos)?.

Olhando dessa forma, podemos ver que os ativistas se preocuparam com o futuro e a objetividade (a libertação de Gaza e as condições de vida de quem está morrendo por lá), mas as forças armadas israelenses enxergaram o ato através das lentes do passado (o evento estaria sendo apoiado por terroristas) e da subjetividade (afronta ao embargo da faixa de Gaza).
Não por acaso, os articulistas que defendem a posição de Israel se baseiam nos mesmos valores nas suas dissertações.

O nosso presidente, em sua ingenuidade, disse que o que resolverá os problemas do Oriente Médio é "comida, trabalho e negociação". Parece tolo, mas eu fico pensando: não haveria aí uma dose de perspectiva futura e realidade concreta, que talvez esteja faltando para as partes imbricadas?

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